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"A luxúria é o orgulho do corpo; o amor é o orgulho da alma, um orgulho que não é mais que a luxúria da alma." (Alexander Puschkine, in 'Diário Secreto')
A exposição Luxúria apresenta-se como um desafio no sentido de criar novos contornos para o erotismo, o sexo e a sensualidade dentro da arte contemporânea por meio da poética de seis artistas. A luxúria, do latim, luxuriae, é definida como desejo passional instintivo por todo o prazer sensual e possui, em seu sentido original, o de deixar-se dominar pelas paixões.
O fio condutor que permeia a exposição concretiza-se através do tema, e a sintonia entre ele e os artistas se revelou um campo fértil de possibilidades investigativas, em que cada um buscou, por meio de suportes variados, realizar o tema em sua plenitude.
Cada artista condicionou-se a explorar o lado estético dos fetiches, em que o cruzamento entre imaginação e técnica resultou em trabalhos ousados, de grande plasticidade e inventividade, permitindo que um repertório de imagens e símbolos associados à luxúria fosse pesquisado de modo audacioso e visceral por todos.
Os artistas André Venzon, Ana Aita, Bina Monteiro e Sergio Lopes apresentam em suas poéticas um elo em comum: a apropriação de imagens ou objetos que, transformados, justapostos ou associados, geram novos significados e criam um novo contexto plástico-visual. Já Zetti Neuhaus não se apropriou de imagens, mas criou esculturas em tela de alumínio de inegável valor estético, assim como Denise Iserhard Haesbaert cujos trabalhos são portadores de grande beleza plástica.
Zetti Neuhaus cria corpos em tela de alumínio. A tela maleável adota a forma que lhe é imposta, no caso, parte de corpos femininos: seios, pernas, costas, etc. A representação da luxúria se concretiza pela sensualidade das formas elaboradas com diversas camadas de tela, em que os fios tramam a sua urdidura e as suturas aparentes com fios de cobre realçam os contornos. É um acontecimento decididamente espacial, porque as esculturas ocupam o espaço. As suas formas encantam pela leveza que expressam, a luz transpassa todas as camadas transparentes e propicia o aparecimento de pequenos elementos, como pedras a cintilar. A poética nos seduz pela trama que arma a forma, e a manufatura de cada obra evidencia um detalhe luxurioso: como uma liga na perna, um corselete, enfim uma mulher-sereia que, apesar de ter a cauda, veste-se com um saiote e deixa ver pelas frestas detalhes do corpo feminino. Instigantes construções que desafiam o olhar para a delicadeza das formas sensuais que provocam o desejo.
A apropriação engloba uma gama de práticas e modos de produção, que abrange a apropriação de objetos, imagens e ideias, além de abarcar práticas de colecionar e catalogar. O termo designa o ato de tomar para si integral ou parcialmente uma obra para criar outra. As imagens da história da arte transformaram-se em um grande banco de dados, em que o artista contemporâneo não teme em usar fragmentos dessa memória para construir novos significados sem perder a originalidade. O colecionismo implica guardar, organizar, secionar, expor diversos itens por categorias, em função de interesses pessoais.
O pecado capital mais polêmico e, ao mesmo tempo, o mais atraente proporciona momentos luxuosos na exposição e mexem com o imaginário de cada observador que se aproxima e interage com os trabalhos. Cada artista investiu no tema usando suas bagagens poéticas e criando trabalhos que instigam, seduzem e questionam: quais os limites da arte contemporânea? Bem, sabemos que, possuidora de fronteiras mais diluídas, a arte cada vez mais imita a vida. E, como mencionamos no início do texto, os artistas também se deixaram dominar pelas paixões e pela paixão dedicada aos seus fazeres. A Luxúria, portanto, foi vivida intensamente.
Os artistas que viveram intensamente o tema abordado desejam compartilhar as suas criações. Para isso escolheram o Escritório de Arte agora, uma galeria, administrado por Vera Lannes e Carmen Reis que incentivaram as luxuriosas invenções para esta primeira coletiva no local. (Leia o texto na íntegra no site www.babilônica.com)
Ana Zavadil é Mestre em Arte Contemporânea pelo PPGART da UFSM. Pertence à equipe de Acervo e Curadoria do MAC/RS, é crítica de arte e curadora independente.
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O VÔO IMÓVEL: A ESCULTURA DE ZETTI NEUHAUS
Armindo Trevisan
A escultura nasceu como uma arte imóvel. O seu sonho, porém, foi sempre o de Ícaro: poder voar. Desde que apareceu, já na Pré-História, os seus suportes foram a madeira, o osso, a pedra, o bronze. É verdade que sua primeira manifestação, talvez, tenha sido a argila, com a qual, de acordo com o mito bíblico, se modelou o primeiro homem Só no século XX surgiram esculturas cinéticas, isto é, com movimento. No início, este era mecânico, mais tarde, após a invenção das esculturas ditas pneumáticas, o motor foi substituído pelo vento e por impulsos humanos. Ficaram famosos os Móbiles de Alexander Calder. Zetti Neuhaus não pratica nenhum tipo de escultura dinâmica. Sua ambição é outra: introduzir o movimento na imaginação do espectador. Em vez de fazer girar suas peças, ou deixá-las moverem-se ao sabor de forças naturais, Zetti prefere acionar lembranças de movimentos, evocações delicadas de asas e ramos.Quem de nós não acompanhou, alguma vez, o vôo de uma borboleta ou de um pássaro, e em nossa época, de um avião a jato na amplidão do céu? Quem de nós não observou a oscilação de uma haste, ou o farfalhar agitado de ramagens num dia de inverno? É essa misteriosa paixão que anima Zetti a fazer escultura, ou algo que se parece a ela, na medida em que a escultura tende a fixá-la no chão, devido à gravidade do peso dos volumes. Zetti busca sua inspiração nas árvores, de modo particular nas árvores antigas, que não ocultam nos troncos as cicatrizes da vida. Sim, é preciso insistir numa coisa: não existe uma única vida, a animal. Existe, também, a vida vegetal. Zetti se esforça por sugerir essa vida mais humilde, que se move na “periferia”, e que, por assim dizer, se contenta com o movimento dos braços, dispensando a locomoção. Suas peças são curvilíneas, sinuosas, retorcidas, enfim, são peças que desenham o vôo imóvel, que acontece no silêncio das raízes, ou na confusão das folhas. Esse mesmo vôo que Mario Quintana, num soneto famoso, associou às recordações de sua infância:
Recordo ainda...E nada mais me importa... Aqueles dias de uma luz tão mansa Que me deixavam sempre, de lembrança, Algum brinquedo novo à minha porta... Mas veio um vento de Desesperança Soprando cinzas pela noite morta! E eu pendurei na galharia torta Todos os meus brinquedos de criança.
Existe qualquer coisa de infantil, no melhor sentido da palavra, de lúdico, nas peças de Zetti É o convite à dança. Nossos olhos não podem apreciá-las, sem se entregarem a uma espécie de requebro visual Como se deter no que é, paradoxalmente, imóvel, e ao mesmo tempo nos impele para todas as direções? Essa aparente contradição confere às peças de Zetti a sensação, e principalmente o sentimento, de que tudo se move, embora nada se mova. É a oscilação entre o fora e o dentro, entre o que as mãos podem tocam (e é alumínio, ou metal) e o que não podem tocar, a fantasia, que se distrai com o rodopio das folhas, com o lento e secreto estirar-se das raízes, ou com a displicência dos troncos que se espreguiçam no ar. É esta, enfim, a origem última do famoso devaneio de Bachelard. Dito de outro modo, é o pequeno segredo que envolve de poesia as peças de Zetti. A escultora de tais relevos e volumes não está preocupada em remeter-nos a um mundo, cada vez mais repleto de quinquilharias e de consumo. Suas esculturas destinam-se a pessoas que possuam um mínimo de espírito zen, a indivíduos que, inesperadamente, descobrem que ainda podem rir de si mesmos, a crianças que acordam no ninho da lucidez, a homens e mulheres capazes de recuperarem certa ingenuidade sensorial. Sem isso, aliás, nem pode haver escultura, visto que, mesmo a mais séria, a mais “adequada” ao mundo tecnológico e informatizado de hoje, será sempre uma invenção da fantasia, uma metáfora de nossa existência. Será sempre uma certa ironia à nossa obesidade mental. Como quando Cristo citou uma canção infantil aos seus soberbos opositores
Tocamos música alegre, e vocês: não dançaram! Cantamos coisas tristes, e vocês: não choraram.
Quem visita uma mostra de Zetti Neuhaus é convidado a expatriar-se do universo frenético, a dançar, cantar, ou, se quiser... chorar! Mas sua sensibilidade não pode ficar algemada à mesmice de cada dia.
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Zetti Neuhaus - Porto Alegre-RS - Brasil - Fone: + 55 (51)
3374-2253 - FAX: + 55 (51) 9962-0925 - e-mail: zetti@zetti.art.br
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